terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

"Sonho de uma terça-feira gorda", Manuel Bandeira

Bom dia, pessoal!

Hoje é terça-feira de Carnaval, portanto resolvi escrever sobre um poema que nos leva à famosa festa brasileira, Sonho de uma terça-feira gorda, de Manuel Bandeira.


Manuel Bandeira

Manuel Bandeira, escritor pernambucano que nasceu em 19 de abril de 1886 e morreu em 13 de outubro de 1968, foi um dos maiores poetas da nossa literatura. Em 1940, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Com seu poema Os Sapos, abriu a Semana de Arte Moderna em 1922, dando início ao movimento modernista no Brasil. Dentre as principais características do seu trabalho com as palavras, também característica dos textos modernistas, está o uso do verso livre, ou seja, versos sem restrição métrica, comuns à poesia clássica.

Sonho de uma terça-feira gorda é um poema que faz parte do seu livro Carnaval, publicado em 1919. Terça-feira gorda é o nome dado à terça-feira de Carnaval, que precede a quarta-feira de cinzas, que, por sua vez, marca o início da Quaresma. Como durante a Quaresma, a Igreja prescreve um período de jejum, a terça-feira gorda é o último dia em que as pessoas podem comer o que quiserem, antes do início do período de abstinência da Quaresma.
Neste poema de Bandeira, acompanhamos o sonho do eu-lírico (narrador do poema). Ele conta que sonhava que estava, provavelmente, com uma mulher, vestidos de preto em uma terça-feira de Carnaval. Eles vêem as multidões fantasiadas passando, a algazarra, as prostitutas seminuas e bêbadas, enquanto eles caminham de mãos dadas, cheios de alegria. Eu gosto muito deste poema de Bandeira, leiam-no abaixo e tirem suas próprias conclusões:

Sonho de uma terça-feira gorda

Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros,
[ e negras eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão constratado pelo sentimento felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava... Que nos penetrava como
[uma espada de fogo...
Como a espada de fogo que apunhalava as santas
[extáticas.

E a impressão em meu sonho era que estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente negro,
— Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro
[ e luminoso!

Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular,em cores cruas.

Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes — Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas — deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.

A turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.

Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negro, negros...
mas dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria...

Manuel Bandeira


Percebam o rompimento com as tradições líricas da poesia clássica: os versos são livres, não há preocupação em seguir a métrica tradicional. Esta era uma enorme inovação para a época!
Bandeira também publicou outros poemas com a temática do Carnaval, aproveite o dia de hoje para conhecer melhor a obra deste célebre poeta brasileiro.

Boa terça-feira gorda!

Fernanda

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