quinta-feira, 11 de março de 2021

"O Despertar", Kate Chopin

Olá, queridos leitores! 

 Hoje gostaria de compartilhar com vocês minha leitura do romance O Despertar (1899), de Kate Chopin (1850-1904). Chopin foi uma escritora norte-americana de final do século XIX. Ela nasceu em Missouri, no sul dos Estados Unidos, filha de um imigrante irlandês. Seu pai morreu cedo em um acidente de trem quando ela tinha apenas 5 anos. Portanto, Kate passou grande parte de sua vida rodeada por mulheres viúvas e independentes - sua mãe e sua avó. Mal sabia ela que o mesmo aconteceria com ela. 

Kate Chopin
Aos 19 anos, ela se casou com Oscar Chopin e se mudou para Nova Orléans, uma cidade efervescente e de cultura francesa e espanhola, resquícios do período de colonização. Eles tiveram seis filhos juntos. Porém, em 1883, quando Kate tinha apenas 33 anos, seu marido morreu, e ela voltou ao Missouri com suas crianças para morar com sua mãe e avó. Portanto, não é à toa que suas histórias focam nas experiências femininas, principalmente relacionadas com as tensões entre o desejo erótico feminino e as limitações da sociedade, desafiando um padrão de vida patriarcal, que restringia todos os aspectos da vida feminina na época.

  Chopin deixou Nova Orléans para trás, mas a cena cultural de Louisiana nunca deixou seus pensamentos. Quando voltou para seu estado natal, Kate se voltou para suas experiências na costa sul norte-americana e iniciou sua carreira como escritora. Chopin fez parte do movimento regionalista da literatura do final do século XIX, que buscou retratar diferentes faces dos Estados Unidos. Apesar de serem um país, reconstruído após a Guerra Civil, não havia uma cultura homogênea. Pelo contrário, os autores desse movimento se propuseram a mostrar aos leitores de outros cantos do país as idiossincrasias do seu lugar: cultura, língua, diversas formas de falar, diferentes paisagens, etc. Eu fiquei apaixonada pelo estilo de escrita de Chopin. 

Em O Despertar, o leitor é levado para a ilha Grand Isle, onde um grupo de personagens da classe alta de Nova Orléans passa o verão. A protagonista é Edna Pontellier, uma mulher jovem vinda da cultura de plantação sulista, casada com o Sr. Léonce Pontellier e levada para o ambiente sofistificado e liberal da cidade - uma situação muito parecida com a da própria Kate Chopin. Durante esse verão, Edna passa por uma transformação. Ela percebe certos sentimentos crescerem dentro de si quando na presença do jovem Robert Lebrun, que é um galeanteador que a paparica. Tudo começa como uma brincadeira, mas os sentimentos passam a ser verdadeiros. De pouco em pouco, Edna percebe como se sente presa no seu casamento: não ama Léonce e, apesar de amar seus filhos, não se identifica no papel de mãe. 

O contato com as sensações do verão - a calmaria, a preguiça, o sussurro da brisa, as ondas envolvente do mar -, com a música tocada por Mademoiselle Reisz e o contato com o libertino Alcée Arobin de volta a Nova Orléans, a faz querer mais. Ela aos poucos se desperta para a vida e para os seus desejos mais íntimos, que a sociedade condena. Daí o título do livro, O Despertar

  Esse livro foi um escândalo quando publicado, foi considerado vulgar e amoral na época. Depois deste romance, nenhum outro trabalho de Chopin foi aceito para publicação e sua promissora carreira literária chegou ao fim. Foi apenas na década de 1970, com a segunda onda do feminismo, que as suas obras foram resgatadas e colocadas no cânone da literatura norte-americana. Já escrevi sobre Chopin em duas outras ocasiões aqui no blog. Para reler essas postagens, clique aqui

  Chopin morreu aos 54 anos depois de sofrer uma hemorragia cerebral. 

 Espero que vocês tenham gostado de saber mais sobre essa autora norte-americana do século XIX, que desafiou a cultural patriarcal ao criar uma personagem feminina moderna, livre e que não se conformava com o papel de esposa e mãe.
Um grande abraço a todos e, é claro, ótimas leituras! 

 Fernanda

quinta-feira, 4 de março de 2021

"A Glória de um Covarde", Stephen Crane

Olá, pessoal! Hoje vou compartilhar com vocês minhas impressões sobre o livro A Glória de um Covarde, do norte-americano Stephen Crane (1871-1900). Este é um dos tantos livros sobre a Guerra Civil Americana, mas uma perspectiva diferente do que havia sido escrito até então. Publicado pela primeira vez de maneira serializada em uma revista literária em dezembro de 1894, o texto saiu em formato de livro no ano seguinte, e estabeleceu Crane como grande nome da produção literária americana da época. Crane nasceu em 1871, ou seja, seis anos após a guerra ter terminado. No entanto, a sua descrição psicológica das angústias de um soldado levou vários leitores a acreditarem que ele era um veterano de guerra. Ele afirmou para uma revista que nunca havia nem sentido cheiro de pólvora.
Quando o livro saiu, ele recebeu duras críticas de veteranos militares, que acreditavam que Crane havia ofendido os heróis de guerra ao tratar de temas como covardia e inutilidade da guerra. O protagonista dessa história é Henry Fleming, um jovem americano que, motivado pelas promessas de glória reservada aos heróis de batalhas, alista-se para o exército da União. No período da Guerra Civil (1861-1865), o país se dividiu em dois: o Norte, a União, industrializado e abolicionista, e o Sul, a Confederação, agrário e escravocrata. Fleming vai à guerra e faz parte do ficcional 304 regimento de Nova York. Ele se refere a outros soldados como o "soldado alto", "o soldado barulhento", o "soldado velho", etc. É uma maneira de Crane afirmar que estes homens poderiam ser qualquer pessoa.
O livro traz uma perspectiva muito interessante sobre a guerra. A narrativa é contada em terceira pessoa, mas através do ponto de vista de Henry. Por vezes, o leitor tem acesso a seus mais íntimos pensamentos, e, outras vezes, o observa de fora. Henry tinha uma visão muito idealizada da guerra, baseada em batalhas da Grécia Antiga. Ao se deparar com a realidade do campo de batalha, ele percebe que os momentos de glória são raríssimos. Em contrapartida, há fome, cansaço, muito deslocamento sem objetivo aparente, cumprimento de ordens sem saber o motivo pelos quais as cumpre... enfim, ele se sente "um gato jogado em uma bolsa". Um momento definitivo no livro é quando Henry percebe que sua primeira batalha e, consequentemente, seu primeiro contato com a morte, está próximo. Ele se pergunta: Como meu corpo reagirá à aproximação do inimigo? Terei coragem ou irei fugir? Serei um covarde? É muito interessante ler o que se passa na cabeça do jovem soldado, que reage ambiguamente à situação em que se encontra: ora, ele quer provar o seu valor; ora, ele se pergunta o que está fazendo ali e qual o objetivo de tanta morte?
Ele quer se colocar à prova o mais rápido possível, porque ele não aguenta o prolongamento do seu sofrimento. Porém, o regimento se arrasta por milhas até finalmente enfrentarem o inimigo. Henry quer exibir um emblema vermelho da guerra, que seria um ferimento aparente - a prova de sua coragem. Ele chega até mesmo a invejar os soldados feridos, pois ele não têm mais que se preocupar em comprovar a sua coragem. Este, aliás, é o título do livro no original: The Red Badge of Courage. Este título incrementa a ironia de ter um emblema vermelho de coragem devido à maneira como Henry consegue o seu. Cabe a você, leitor, descobrir. Esta foi uma leitura que me impactou bastante. Temos acesso a diversas narrativas (literárias ou cinematográficas) grandiosas de guerra, que exaltam o herói como alguém perfeito e auto-confiante. A Glória de um Covarde apresenta o lado mais humano, opressor e realista da guerra. E é incrível como Crane, mesmo nunca tendo participado de uma batalha, conseguiu captar os tormentos internos do protagonista.
Crane foi um autor prolífico, mas que, devido ao seu estilo de vida boêmio, morreu cedo. Ele foi um grande nome do Naturalismo Americano e escreveu diversos contos que aparecem em Antologias de Melhores Contos Norte-Americanos. Aqui no blog já escrevi sobre "A Noiva Chega a Yellow Sky". Para (re)ler este post, clique aqui. Espero que tenham gostado dessa sugestão de leitura. Uma ótima semana a todos e, é claro, ótimas leituras! Fernanda