terça-feira, 29 de setembro de 2020

"O Caçador de Pipas", Khaled Hosseini

 Olá, pessoal!


Hoje venho compartilhar com vocês a minha mais recente leitura, que foi também o livro escolhido para o meu Clube do Livro de outubro. Trata-se de O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini. Eu já havia lido esse livro alguns tantos anos atrás, mas a experiência foi completamente diferente. Naquela época, a leitura não me cativou. Lembro que demorei um bom tempo para finalizar o livro e não me identifiquei com os personagens e suas jornadas. Na verdade, não tinha maturidade suficiente para entender as complexidades políticas, sociais e culturais dessa narrativa. Dessa vez, Hosseini me levou para as ruas de Cabul, capital do Afeganistão, da década de 1960, senti o cheiro de kebab e especiarias, vi as pipas voarem no céu, mas também sofri com as consequências da invasão soviética em 1979 e com as consequências ainda mais devastadoras da vitória dos talibãs em 1994.


O protagonsista dessa história é Amir, que em 2001 está com 38 anos e mora nos Estados Unidos. Ao receber um telefonema de Rahim Khan, velho amigo do seu pai, Amir sabe que precisa voltar ao Afeganistão e reconectar com o seu passado para curar as feridas que lhe atormentam há anos. É, então, que o leitor retorna à infância de Amir na Cabul de 1975, uma cidade próspera e segura, o completo oposto do que se tornaria décadas mais tarde com o domínio do movimento fundamentalista islâmico nacionalista, que transformou o Afeganistão no país mais perigoso do mundo com o maior número de refugiados buscando asilo fora do país.


Cabul na década de 1970

Amir passou a sua infância em uma bela casa no sofisticado bairro Wazir Akbar Khan. Seu pai, que ele chama de Baba, é um rico comerciante e zela por uma impecável reputação. Sua casa está sempre repleta de convidados ilustres e grandes nomes da elite afegã. A mãe de Amir morrera durante o parto, deixando Amir órfão de mãe. Baba e Amir moram com Ali, o fiel criado de Baba, e seu filho Hassan. Ali e Hassan são Hazaras, ou seja, descendentes de um povo de origem mongol. Por serem considerados forasteiros e pela maioria ser muçulmana xiita, os Hazaran foram perseguidos e discriminados em Cabul e por todo o Afeganistão. Apesar das diferenças sociais, Amir e Hassan crescem juntos como irmãos, brincam juntos, porém, ao final do dia, Hassan vai para o seu quarto confortável enquanto Hassan se retira para o casebre simples anexado à casa junto do seu pai. Além disso, Hassan é inteiramente submisso a Amir e o serve em diversas situações. A amizade entre os dois não é vista com bons olhos pela elite afegã, mas Baba os mantém por perto como se ambos fossem seus filhos.

Amir e Hassan no filme de 2007

Em uma competição de pipas durante o inverno de 1975, que, por sinal, era uma atividade tradicional da cidade muito aguardada pelas crianças participantes e pelos adultos espectadores, Amir queria vencer a qualquer custo e alcançar a pipa derrotada como prêmio da sua vitória. Ele acreditava que vencer o torneio de pipas faria com que Baba tivesse orgulho do seu filho. Hassan, para agradar Amir, saiu correndo pelas ruas de Cabul em busca da cobiçada pipa, porém é encurralado por uma gangue de garotos liderados por Assef, que o despreza por sua origem Hazara e o agride sexualmente. Essa é uma cena muito dolorosa do livro, ainda mais porque Amir se depara com esse crime e não consegue agir. Essa culpa ele carrega consigo por toda a sua vida.


Tomas Munita for The New York Times


Anos depois, Amir foge do Afeganistão com seu pai depois da ocupação soviética. Eles se mudam para os Estados Unidos, onde precisam inicar uma nova vida do zero. Baba, um homem rico e de prestígio em Cabul, precisa trabalhar como frentista de um posto de gasolina para ganhar dinheiro o suficiente alimentar sua família. Todas as riquezas, sua casa, seu estilo de vida tiveram que ficar para trás. O único objetivo era sobreviver. Apesar de Ali e Hassan estarem a milhares de quilômetros de distância, a dor de Amir ao pensar no sofrimento de seu companheiro (e que ele poderia ter evitado) continua a lhe assombrar. Um chance de redenção se apresenta em 2001, quando ele recebe o telefone de Rahim Khan. Ele tem a chance de voltar ao Afeganistão agora tomado pelo talibã para salvar o que Hassan deixou para trás: seu filho, Sohrab.

Romano Cagnoni / Getty Images

Esse livro me marcou de tantas formas! A dor de saber que milhares de pessoas sofreram como Amir e Baba, obrigados a deixarem sua vida para trás para iniciar um novo capítulo em um país desconhecido com uma cultura totalmente diferente. A dor de ler sobre como a Cabul idílica da infância de Amir simplesmente desapareceu sob bombas, minas e corpos. A dor de imaginar o sofrimento de crianças como Sohrab, negligenciadas pelo preconceito e roubadas de suas famílias. Não foi uma leitura fácil emocionalmente, mas uma leitura que me proporcionou diversas reflexões, principalmente de gratidão pela minha própria trajetória longe de sofrimentos como esses.


Talibã no Afeganistão - Wali Sabawoon/NurPhoto/Getty Images



Khaled Hosseini, autor do livro, nasceu em Cabul, assim como Amir. Aos 11 anos de idade, sua família se mudou para a França e quatro anos depois buscaram asilo nos Estados Unidos, onde mora até hoje. Ele voltou ao Afeganistão em 2001, com a idade de 36 anos, onde se sentiu um turista no seu próprio país. Interessantemente, Khaled só voltou ao Afeganistão depois de ter escrito o livro. Portanto, ao andar pelas ruas de Cabul, o autor não só relembrava a própria infância, como a infânciada de Amir criada por ele mesmo.

O autor Khaled Hosseini

Essa é uma leitura que te tira da zona de conforto e te proporciona uma visão mais ampla do mundo e das pessoas que nele vivem. Com certeza, vale a leitura!


Um grande abraço e ótimas leituras!


Fernanda