sexta-feira, 29 de maio de 2015

"Leonor", Gottfried August Bürger

Olá, queridos leitores!

Há algumas semanas, escrevi um post sobre a aparição do vampiro na literatura (os interessados podem acessar este post, clicando aqui). De acordo com Bruno Berlendis de Carvalho, organizador da Antologia do Vampiro Literário (2010), o primeiro registro da criatura mítica de dentes pontudos na literatura foi no poema Crê a Moça Minha Amada, escrito em 1748 pelo alemão Henrich August Ossenfelder. A referência ao vampiro é explícita, mas a interpretação do personagem-narrador como um vampiro fica a cargo do leitor.

Gottfried August Bürger
No segundo texto da coleção, curiosamente também um poema escrito por um alemão, a alusão ao vampiro é feita de modo mais implícito, requer uma maior atenção do leitor às dicas espalhadas pelo texto. O poema em questão é Leonor, escrito em 1773 por Gottfried August Bürger.


Bürger nasceu em 31 de dezembro de 1747, em Molmerswende, e morreu em 8 de junho de 1794, aos 46 anos, vítima de tuberculose. Bürger foi um poeta muito popular na Alemanha, porém seu poema Leonor atravessou fronteiras e aumentou a visibilidade do autor ao ser traduzido para o inglês e para o francês (Hoje é possível encontrar o poema em português, como o traduzido por Erick Ramalho, que consta na antologia mencionada anteriormente). Durante sua vida, Bürger gostava de lugares solitários e melancólicos, principalmente para escrever seus versos. Seus primeiros poemas foram publicados em 1771.



O poema Leonor nos conta as aflições de uma jovem garota que espera pelo retorno do seu amado, que foi lutar na Guerra entre a Prússia e o Império Áustro-Húngaro. Com o tratado de paz finalmente assinado, os homens, jovens e velhos, puderam voltar às suas casas. Leonor acompanhava a volta de vários homens em seu vilarejo, mas nada de Guilherme, seu amado, voltar. Ela chega a desesperar-se e diz à sua mãe que sua vida não tem sentido sem Guilherme.



Durante a noite, contudo, Guilherme a visita em seu portão montado, em um cavalo, e a chama para ir consigo para que fiquem juntos em seu leito. A moça, ávida, segue viagem com o amado e, juntos, galopam a grande velocidade. Durante a longa balada, que tem 255 versos, Guilherme repete muitas vezes o seguinte trecho: 




"Temes, bem?... A lua o lume expôs.
Hurra! Mortos montam veloz!
Temes, meu bem, os mortos?"





A interpretação de tal trecho e do restante do poema eu deixo a cargo de você, leitor. Este poema é um grande exemplo da produção literária escrita na segunda metade do século XVIII, período de efervescência cultural na Alemanha. Foi o período que antecedeu o Romantismo, caracterizado pelo Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), movimento que pregava o retorno às características nacionais da literatura, resgatando velhos mitos e contos populares, como os irmãos Grimm fizeram ao reescreverem contos de fadas. Um dos personagens de mitos populares, normalmente de tradição oral, que ressurgiram nesta época foi o vampiro.




Nossa jornada pela história do vampiro na literatura continua com o auxílio da Antologia do Vampiro Literário, publicado pela editora Berlendis & Vertecchia. Por enquanto, ainda temos muito a desvendar no século XVIII.



Boas leituras e um ótimo final de semana!

Fernanda

quinta-feira, 28 de maio de 2015

"Auto da Barca do Inferno", Gil Vicente

Bom dia, pessoal!

Hoje venho escrever para vocês sobre um dos primeiros grandes nomes da Literatura Portuguesa, poderíamos até dizer que ele foi o William Shakespeare das terras portuguesas, se bem que o escritor inglês nasceu noventa e nove anos depois. Trata-se do poeta e dramaturgo português Gil Vicente, nascido em 1465 e falecido, aproximadamente, em 1536, não há relatos precisos.

Gil Vicente
Assim como Shakespeare, Gil Vicente, além de escrever os textos das peças teatrais, também participou como ator em muitas produções nos palcos portugueses.

Nas obras de Vicente, pode-se perceber uma representação das mudanças sociais, filosóficas e políticas características do período de transição entre a Idade Média e o Renascimento. Certos valores iam ficando para trás para dar lugar a novas formas de pensar, que questionavam o status quo que regia os tempos anteriores.

Gil Vicente é considerado o pai do teatro português, mas sabe-se que ocorreram representações cênicas na corte portuguesa antes de Vicente. No entanto, muito pouco foi recuperado destes textos pré-vicentinos e nenhum atingiu a popularidade e maestria de Gil Vicente, considerado um dramaturgo sem precedentes na Europa do seu tempo.

Dentre a sua obra, a que mais se destaca é a trilogia de sátiras composta pelas peças Auto da Barca do Inferno (1516), Auto da Barca do Purgatório (1518) e Auto da Barca da Glória (1519), que são encenadas até os dias de hoje, mesmo quinhentos anos mais tarde. Destas peças, li apenas Auto da Barca do Inferno e é sobre ela que escrevo hoje para vocês.





É engraçado pensar como algo escrito há tanto tempo pode ainda fazer sentido para nós no século XXI, não é? O Auto da Barca do Inferno é um destes exemplos, esta é uma peça divertidíssima e uma sátira da sociedade de Lisboa do século XVI (se bem que a nossa sociedade atual não está muito longe dessa representação!).

Nesta peça há duas barcas, uma guiada pelo Anjo, que segue para o Paraíso, e a outra guiada pelo Diabo, que segue para o Inferno. Um a um, as pessoas que chegaram ao fim da sua vida na Terra, chegam a este local de julgamento, onde serão levados para uma direção ou outra, dependendo dos seus atos cometidos em vida.

São quinze pessoas que seguem para o julgamento: o fidalgo D. Anrique, um agiota, um sapateiro, um parvo, um Frade cortesão com sua acompanhante, uma prostituta Brísida, um judeu usurário, um Corregedor e um Procurador da Justiça, um enforcado e quatro cavaleiros que morreram em uma cruzada religiosa. O engraçado é que quase todos se dirigem diretamente à Barca da Glória, onde são barrados pelo Anjo e reprimidos pelos seus pecados.


Cada um dos personagens representa uma classe social ou crença, bastante presentes na sociedade portuguesa do século XVI, e, através deles, Gil Vicente elabora uma crítica sagaz da sua conduta no cenário político da época. 

Mesmo escrita há quinhentos anos, o Auto da Barca do Inferno ainda tem muito a nos dizer no século XXI. É por isso que ele é considerado um clássico, pois suas inúmeras vozes ainda não terminaram de dizer o que tinham para dizer.

Encenação contemporânea do Auto da Barca do Inferno

Quer saber quem foi para o Inferno e quem foi para o Paraíso?

Boa viagem à sociedade lisboeta do século XVI e ótima leitura!


Fernanda

terça-feira, 26 de maio de 2015

"A História Privada de uma Campanha que Falhou", Mark Twain



Boa tarde, pessoal!

Há muitos escritores norte-americanos que escreveram sobre a Guerra Civil americana, evento de grande importância na história deste país. Este período de guerra entre os estados do Norte, pertencentes à União e contra a escravidão, e os estados do Sul, estados escravocratas pertencentes à Confederação, já rendeu muitas boas histórias.
Aqui no blog, por exemplo, já falamos de Ambrose Bierce, autor do conto Um Incidente na Ponte de OwlCreek, que retrata o episódio do enforcamento por soldados da União de um homem partidário das causas dos confederados.

No entanto, eu nunca havia lido um retrato da Guerra Civil como o que li no conto A História Privada de uma Campanha que Falhou, do magnífico Mark Twain. Esta é uma visão cômica de um grupo de jovens rapazes que, ao início dos conflitos armados entre o Norte e o Sul, decidem durante uma reunião secreta noturna montar um grupo militar e participar da guerra. O próprio narrador é um destes garotos e já no início da narrativa ele deixa claro que o relato de pessoas que não fizeram nada na guerra também tem o seu valor. Pois foi isso o que os rapazes fizeram: nada.

Eles são rapazes que nunca tiveram experiência montando cavalos, segurando armas ou sobrevivendo na chuva, frio e escuro. Eles se autodenominaram os Marion Rangers e montaram um acampamento que chamaram de Camp Ralls. A cada barulho estranho, os jovens soldados se sobressaltavam e conseguiam uma maneira de se esconder ou fugir. Não chegaram a confrontar o inimigo em nenhuma ocasião e o único sangue que eles derramaram foi o deles próprios ao brigarem entre si por coisas banais, como xingamentos e provocações.

Jovens soldados da Guerra Civil

E o mais hilariante de tudo é que alguns destes garotos pensavam mesmo estar participando de algo grandioso e de muito valor. Contudo, essa visão romântica da guerra encontra um fim trágico com um acontecimento ao final do conto. Você, leitor, terá que descobrir por conta própria, mas já aviso que é um evento que muda o próprio tom da narrativa em si.

Mark Twain se esmera, mais uma vez, neste conto divertido, trágico e extremamente irônico. Através de suas palavras, ele nos mostra um retrato do lado sem glamour da guerra, da própria covardia humana e do contrário do heroísmo encontrado em muitas narrativas sobre guerras.

Há fontes que confirmam que este conto foi escrito, em partes, com base na experiência de duas semanas na guerra do próprio Mark Twain, que, assim como os garotos da história, não tinha muitas aptidões guerrilheiras. O conto, contudo, em todos os seus detalhes é fortemente ficcional.


Mark Twain
Mark Twain é considerado um dos maiores escritores norte-americanos de todos os tempos, nasceu em 30 de novembro de 1835, em Missouri nos Estados Unidos, e morreu em 21 de abril de 1910 em Connecticut, aos 74 anos. Entre seus principais trabalhos estão As Aventuras de Tom Sawyer (1876) e As Aventuras de Huckleberry Finn (1885), clássicos da literatura norte-americana. Já escrevi sobre Huckleberry Finn aqui no blog, quem tiver interesse em reler a publicação pode encontrá-la aqui.

A História Privada de uma Campanha que Falhou foi publicada pela primeira vez em 1885 e foi adaptado para a televisão em 1981. O conto pode ser facilmente encontrado na Internet ou em antologias de contos norte-americanos ou sobre a Guerra Civil.


 Uma ótima terça-feira a todos e ótimas leituras!

Fernanda

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Discussão - O processo de leitura

Olá, pessoal!

Ultimamente tenho feito leituras que têm contribuído muito para o meu desenvolvimento profissional e, também, para o meu desenvolvimento como leitora. A partir destes textos,resolvi retomar a coluna Discussões Literárias, hoje trazendo o tema do processo de leitura. Afinal, o que é leitura?

A leitura é, acima de tudo, um processo de construção de significados que acontece a partir da relação entre autor-texto-leitor e, claro, do contexto histórico, político e social ao redor do texto literário.


Todo texto traz marcas do seu autor, quer explícita ou implicitamente, através do uso de certas palavras, principalmente adjetivos, o foco em uma questão ou personagem em detrimento de outro, o estilo literário, etc. O texto leva a impressão digital do seu autor e o leitor competente deve ter consciência disto. De onde vem esse autor? Qual o seu propósito ao escrever este texto? Qual é a reação que ele busca causar no leitor?

Essas são questões importantes, assim como é de extrema importância o conhecimento que o próprio leitor traz para a sua interpretação do texto literário. O sentido que o leitor construirá para o texto é totalmente permeado por suas experiências de leitura anteriores, seu conhecimento de mundo e seu conhecimento da própria língua. Ou, como afirmam Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias em Ler e Compreender os Sentidos do Texto, o conhecimento interacional, conhecimento enciclopédico e conhecimento linguístico.

O conhecimento que o leitor traz consigo complementa o texto escrito, preenchendo as lacunas das entrelinhas. No entanto, é claro que toda e qualquer interpretação deve se pautar em evidências linguísticas e textuais. Não podemos esquecer do que está escrito em si, das palavras, relações sintáticas e semânticas.

Portanto, a leitura é um processo tridimensional, ela se constrói a partir da relação autor-texto-leitor em todas as direções. É por isso que a leitura que duas pessoas, por exemplo, fazem do mesmo texto literário nunca será a mesma. A leitura é um construto individual e personalíssimo, daí a multiplicidade de interpretações e a própria magia da leitura!

Estas e outras idéias são bem elaboradas pelas professoras Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias no livro que citei acima, Ler e Compreender os Sentidos do Texto. Para quem é da área de Letras, trabalha como professor de línguas ou simplesmente tem interesse pelo processo de leitura e construção de sentidos, este livro é muito interessante e útil. Além de ser de fácil compreensão e bastante didático, pois as professoras trazem exemplos de diversos textos e gêneros textuais para exemplificar as suas teorias.

Ingedore Villaça Koch
Ingedore Villaça Koch tem mestrado e doutorado em Língua Portuguesa pela PUC-SP e trabalha como professora de Análise do Discurso na Unicamp e já publicou diversos títulos na área de Linguística, como As Tramas do Texto (2008), Introdução à Linguística Textual (2004) e O Texto e a Construção dos Sentidos (2000).


Vanda Maria Elias
Vanda Maria Elias também é doutora em Língua Portuguesa pela PUC-SP, onde trabalha como professora no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa. Em conjunto com Ingedore Villaça Koch, também publicou Ler e Escrever (2009).


Eu tenho Ler e Escrever em casa e já é o próximo da lista de leituras neste estilo. Eu recomendo o trabalho das duas professoras, referências nacionais na área de Linguística Aplicada, e uma fonte enorme de informação e saber!

Uma ótima segunda-feira a todos! Já começamos a semana com muita reflexão!

Um abraço,
Fernanda


sábado, 23 de maio de 2015

"O errante de Veneza", Dezsö Kosztolányi

Bom dia, queridos leitores!

Há algum tempo estava passeando por uma livraria (passatempo preferido!) quando me deparei com o livro Contos Húngaros, traduzidos e organizados por Paulo Schiller. Ele estava ali na sessão de promoções, meio esquecido, sem nenhum comprador à vista. Segurei-o em minhas mãos e pensei: o que eu sei sobre literatura húngara? E a resposta foi bem simples: nada! Simplesmente nada!

Em outra publicação aqui no blog (caso tenha interesse em relê-la, pode acessá-la clicando aqui), já discuti a questão do cânone literário e como somos orientados, tanto pelo nosso sistema educacional como através da mídia, a ler os livros escritos por autores consagrados pela crítica, normalmente de países tidos como grandes potências políticas e culturais, como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, etc. A produção cultural de países menores e fora do eixo Europa ocidental-Estados Unidos é completamente esquecida. Ao segurar este livro sobre o qual escrevo para vocês, fiquei envergonhada por nunca haver sequer pensado em pesquisar sobre o que é produzido em países como a Hungria.

Aliás, onde fica a Hungria? Este pequeno país está localizado na Europa Central, sem acesso ao mar, que faz divisa com a Áustria (com a qual formava o Império Áustro-Húngaro antes da sua independência), Eslováquia, Romênia, Ucrânica, Sérvia, Croácia e Eslovênia. Sua língua oficial é o húngaro, língua muito diversa da maior parte das línguas faladas neste continente, de origem indo-europeia. Seu tamanho territorial e número populacional podem ser comparados a Portugal.

A Hungria na Europa Central

E o que foi produzido no cenário literário húngaro? Na introdução escrita por Nelson Ascher, o autor comenta da efervescência cultural húngara, principalmente antes da Primeira Guerra Mundial. No século XIX, século do Romantismo, tomados pelo desejo de revolução e independência política, vários escritores transformavam os anseios e esperança húngaras em belos poemas. Mais tarde, apareceram os prosadores, autores de romances e contos, além de ensaios críticos.

Nesta antologia de Paulo Schiller, foram publicados contos de quatro importantes escritores húngaros: Gyula Krúdy, Dezsö Kosztolányi, Géza Csáth e Frigyes Karinthy, nomes expressivos da literatura de final do século XIX e início do XX.

Dezsö Kosztolányi
O primeiro conto da coleção intitula-se O errante de Veneza, escrito por Dezsö Kosztolányi e publicado em 1910. Dezsö nasceu em 29 de março de 1885 e morreu em 3 de novembro de 1936. Ele trabalhou muito tempo como jornalista em jornais de Budapeste e também participou do jornal literário Nyugat, importante publicação do cenário literário húngaro, fundado em 1908, e que buscava a formação de uma literatura nacional. Dezsö também trabalhou como tradutor, traduzindo trabalhos como Romeu e Julieta de Shakespeare e Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll do inglês para o húngaro.

O jornal Nyugat


O errante em Veneza retrata bem a condição de um ser humano perdido, que resolve, um dia, pegar um trem para qualquer destino e apenas caminhar, caminhar, caminhar sem rumo. O narrador do conto se depara com este homem perdido, parado sobre a Ponte dos Suspiros, olhando para as águas que correm abaixo. Ele já está assim há dez anos. Nesta jornada, ele havia passado horas só olhando o mar, depois se refugiou em um banco de igreja, onde permaneceu por mais horas e horas, sem qualquer objetivo ou rumo, até ser despachado por um padre ao cair da noite. De lá, passou dias sem sair da cama, até achar-se na Ponte dos Suspiros, onde nosso narrador o encontrou.


Ponte dos Suspiros, em Veneza, Itália

Depois dessa leitura, fiquei curiosa a saber mais não só da literatura húngara, como também a produzida em tantos outros países ignorados pela maioria dos leitores de hoje e de ontem. Espero que essa publicação possa, também, abrir os seus olhos para novas literaturas e outras produções artísticas vindas dos mais diversos lugares do mundo.

Dezsö Kosztolányi

Um ótimo sábado a todos e boas viagens literárias!

Fernanda


sexta-feira, 22 de maio de 2015

"Um Encontro", James Joyce

Bom dia!

James Joyce


Nesta sexta-feira decidi escrever para vocês, mais uma vez, sobre o grande escritor irlandês, James Joyce, que nasceu em Dublin em 2 de fevereiro de 1882 e morreu em 13 de janeiro de 1941 em Zurique, depois de entrar em coma após uma cirurgia contra uma úlcera. Ele ainda recobrou a consciência por alguns instantes durante a madrugada, pediu a uma enfermeira que chamasse a sua mulher e filho, mas ele morreu 15 minutos depois, quando os dois ainda estavam a caminho do hospital.

James Joyce e sua filha, Lucia
Joyce foi um dos principais nomes do movimento modernista na literatura. O famoso psicanalista Carl Jung, após ler a obra-prima Ulysses (1922) do escritor irlandês, concluiu que Joyce sofria de esquizofrenia, assim como sua filha, Lucia. De acordo com Jung, James Joyce e Lucia eram como duas pessoas que estavam indo em direção ao fundo de um rio, a única diferença é que Joyce mergulhava enquanto Lucia afundava.

Em 1914, Joyce publicou sua antologia de contos intitulada Os Dublinenses, contos que tratam de personagens comuns da sociedade estagnada de Dublin do início do século XX. Ali são transformados em palavras ocorrências ordinárias do dia-a-dia, mas que, normalmente, levam à uma epifania do protagonista, uma nova maneira de perceber a si mesmo e ao mundo ao seu redor.

Aqui no blog já escrevi sobre outros contos desta antologia, que podem ser acessados aqui. Hoje escrevo sobre o segundo conto dublinense, chamado Um Encontro. Nesta história, assim como no primeiro conto do livro, o protagonista é uma criança. Ele, cujo nome não conhecemos, juntamente com seus colegas de escola apaixonados pela literatura sobre o faroeste selvagem, brinca de batalhas de vaqueiros e ataques indígenas.

Um dia, contudo, a criança se vê insatisfeita por viver aventuras apenas em sua imaginação e combina com Mahony, outro garoto, de faltar à aula no dia seguinte e procurar uma aventura na vida real. Os dois ficam encantados ao observar os trabalhadores e a agitação do porto em Dublin e acompanham com os olhos os diversos passantes.


Já no final da tarde, cansados, os dois garotos sentam em uma colina para descansar. De repente, um velho mal vestido, de dentes amarelados e apoiado em uma bengala passa por eles em um ritmo bem lento. Os meninos o acompanham com o olhar e o velho, subitamente, dá meia-volta e retorna ao local onde os garotos estavam, sentando-se ao lado deles. Ele fala sem parar de sua infância, de livros, de namoradas de sua infância e acaba assustando os jovens garotos.

Mahony vê um gato na rua e sai em disparada para persegui-lo, deixando o protagonista desconfortavelmente sozinho com o velho. Assim que o senhor dá uma pausa em seu monólogo, o garoto aproveita a oportunidade para se livrar e voltar ao encontro do seu colega.

Nem sempre situações novas são prazerosas e, por vezes, nos sentimos gratos por voltar à nossa rotina. Não é mesmo?





Mais uma vez, James Joyce encontra o âmago da essência humana e o traduz em palavras através de eventos ordinários do nosso cotidiano. Para quem tiver interesse em conhecer a Dublin de início do século XX, Os Dublinenses é leitura obrigatória.

Uma ótima sexta-feira a todos e boas leituras!

Fernanda

quinta-feira, 21 de maio de 2015

"A História de Salomé", Amelia B. Edwards

Bom dia, queridos leitores!

Nesta semana a chuva não deu trégua, todos estes dias têm sidos molhados e melancólicos. E todo dia cinzento e nublado nos faz lembra de quê? Histórias de terror, é claro! Portanto, peguei meu exemplar de O Grande Livro de Histórias de Fantasmas, organizado por Richard Dalby, e me deliciei com um conto de Amelia Edwards.

Eu não conhecia essa autora e adorei o seu estilo e temática! A História de Salomé é, sim, uma história de fantasmas, mas não fantasmas aterrorizantes que nos fazem sentir os pelos da nuca se arrepiarem! É, pelo contrário, uma história de amor e de assuntos pendentes após a morte. Portanto, quem hesita em ler histórias de horror, não precisa temer! A História de Salomé é um conto encantador e que não vai perturbar o seu sono à noite.

O conto é narrado em primeira pessoa por Harcourt Blunt, sobre quem não temos muitas informações, a não ser que ele é um cavalheiro europeu e que dispõe de meios para viajar por longos períodos a fio. No início da história, Blunt está viajando pela Europa com seu amigo, Conventry Turnour, que a cada semana está perdidamente apaixonado por uma mulher diferente. Durante os cinco meses em que estavam viajando juntos, Turnour já havia experimentado a maior paixão de sua vida três vezes. E agora passava por mais uma.

O objeto de seu desejo no momento era a filha de um mercador judeu de Veneza, que possuía uma loja de artefatos orientais caríssimos. Turnour convenceu seu amigo a ir vê-la pessoalmente e este concordou. A tal mulher era uma jovem chamada Salomé, que era, realmente, a criatura mais linda que Blunt já havia visto na vida. Porém, era evidente que Salomé era indiferente à paixão de Turnour.


Veneza

Como esperado, a paixão de seu amigo logo deu a vez a outra paixão mais arrebatadora ainda e a bela Salomé foi logo esquecida. Um ano mais tarde, depois de ter viajado pelo Oriente por vários meses, nosso narrador se encontra novamente em Veneza e um desejo irresistível de ver Salomé outra vez o assalta. Ele refaz o caminho que fizera com Turnour um ano antes, mas não encontra a loja no mercado veneziano.

Algum tempo mais tarde, quase desistindo de encontrar a bela moça, Blunt estava passeando por lugares em Veneza, procurando uma paisagem para pintar, e acaba chegando a um cemitério judeu. A noite já caía e o lugar estava vazio quando, de repente, ali estava ela. Salomé. Toda vestida de preto, sentada ao lado de um túmulo, cujas inscrições Blunt não conseguiu decifrar porque estavam em hebraico.

Sem conseguir coragem, Blunt não conversa com a moça, mas assim que ela vai embora, ele copia a inscrição do túmulo e a envia a um amigo seu para que traduzisse e ele pudesse, ao menos, descobrir mais detalhes sobre a vida da bela Salomé.


O que se passa a seguir eu deixarei a você, leitor, descobrir. Desde o início a história se encaminha para este fim, mas o leitor só acaba por perceber mais ao final do conto. Do primeiro parágrafo ao último, eu não consegui desgrudar os olhos das páginas e estou ansiosa para ler mais publicações desta autora.





Amelia B. Edwards
Amelia B. Edwards nasceu em 7 de junho de 1831 na Inglaterra e morreu aos 60 anos depois de contrair Influenza, em 15 de abril de 1892. Ela foi educada em casa pela sua mãe e ingressou na carreira literária cedo, escreveu seu primeiro poema aos 7 anos e o primeiro conto aos 12. Ela escreveu seu primeiro livro em 1855 e diversas histórias de fantasmas. Durante o inverno de 1873-1874, Edwards participou de uma expedição ao Egito e se encantou com a cultura e história de lá. A partir de então, abandonou a carreira literária para se dedicar exclusivamente aos estudos egiptólogos. Ela contribuiu para a nona edição da Enciclopédia Britânica e escreveu livros de história e arqueologia sobre o Egito.


Uma ótima quinta-feira a todos e não deixem de conhecer a maravilhosa escrita de Amelia B. Edwards!

Fernanda

terça-feira, 19 de maio de 2015

"Um Incidente na Ponte de Owl Creek", Ambrose Bierce

Bom dia, queridos leitores!

Bierce aos 21 anos, durante a Guerra Civil
Hoje trago para vocês um autor norte-americano chamado Ambrose Bierce, nascido em em 24 de junho de 1842. No ano de 1913, Bierce viajou para o México para ver de perto os acontecimentos da Revolução Mexicana e nunca mais foi visto novamente. Ambrose Bierce também lutou na Guerra Civil Americana pelo exército da União, formado pelos estados do Norte.

Os contos escritos por Ambrose Bierce são considerados uns dos melhores publicados no século XIX. Em sua escrita, ele retrata horrores que viu durante sua experiência em guerras, como no conto que trago para vocês hoje. As histórias de Bierce costumam começar abruptamente, com poucas descrições ou referências a tempo ou lugar.


Em Um Incidente na Ponte de Owl Creek, publicado pela primeira vez em 1890 no jornal The San Francisco Examiner, somos levados ao período da Guerra Civil Americana, mais especificamente à ponte de Owl Creek, onde um homem, simpatizante das causas dos Confederados, está prestes a ser enforcado por soldados da União. O conto de Bierce é muito interessante estilisticamente, pois ele não segue uma ordem linear de narrativa: voltamos no tempo para conhecer melhor a vida deste agricultor cuja vida está em risco, sua casa, sua esposa e seus filhos; em seguida, estamos de volta à ponte de Owl Creek, dentro da mente do homem que está em pé em uma plataforma de madeira sobre a ponte e olha para o rio abaixo dos seus pés, com uma corda ao redor de seu pescoço.






Alguns críticos consideram esta obra de Bierce como um dos primeiros exemplos do uso de fluxo de consciência na literatura, quando somos levados para dentro da mente do personagem, sabemos seus pensamentos, angústias e apreensões. Esta técnica foi principalmente usada pelos escritores modernistas no início do século XX, portanto Bierce foi um pioneiro!

Esta história já foi adaptada para a televisão diversas vezes, dentre as quais se destaca a produção francesa de 1962, dirigida por Robert Enrico, que ganhou prêmios no Festival de Cinema de Cannes e na premiação do Oscar. Esta produção foi mais tarde ao ar como um episódio da série The Twilight Zone em 1964.


Sobre as histórias da Guerra Civil escritas por Ambrose Bierce, há também um filme lançado em 2006 intitulado Ambrose Bierce: Civil War Stories, baseado em três de seus contos. Fiquei muito curiosa para assistir a esta adaptação!



Espero que tenham gostado desta indicação. Um abraço a todos e ótimas leituras!

Fernanda

Sobre a autora


Fernanda Korovsky Moura é uma escritora catarinense. Nasceu em São Bento do Sul, mas mudou-se para Curitiba - PR para cursar Publicidade e Propaganda e, mais tarde, Letras Português-Inglês. Tem um livro publicado, A Magia Natalina (2006) e outro em fase de revisão para publicação. Atualmente, é estudante de mestrado em Literatura Inglesa pela Universidade Federal de Santa Catarina e uma de suas principais paixões é escrever em seu blog O Prazer da Literatura, compartilhando suas impressões sobre suas jornadas pelo universo literário.



domingo, 17 de maio de 2015

"Como Ler a História do Mundo na Arte" - Parte 2 - A batalha de Kadesh

Bom dia queridos leitores!

Hoje acordei com vontade de continuar a nossa viagem pela história do mundo através da Arte, que tal? Em um post anterior, escrevi para vocês sobre um livro que atraiu a minha atenção desde o início, How to Read World History in Art, escrito por Flavio Febbraro e Burkhard Schwetje. Os autores nos escrevem sobre a intrínseca relação entre História e Arte, e como acontecimentos históricos influenciam a produção artística mundial, tanto na pintura, como na literatura, música, teatro, etc. E não é verdade? Quem quiser relembrar esta primeira publicação da série, pode clicar aqui.


Hoje, na parte 2 desta nossa saga, vamos até o ano de 1274 a. C., à batalha de Kadesh. Alguém já ouviu falar neste conflito? Esta batalha aconteceu no território de Kadesh, onde fica a atual Síria, entre os exército egípcio, comandado pelo Faraó Ramsés II, e o exército do Império Hitita, sob o comando do rei Muwatalli II. Estes dois grandes impérios lutavam pela posse do território que servia como área de transações comerciais entre o Mediterrâneo e o Oriente Médio.

A batalha de Kadesh

Até hoje não se sabe ao certo quem saiu vitorioso desse conflito, pois há registros históricos apontando para a vitória dos dois lados. Viu como a História é também duvidosa? Ela é normalmente escrita pelo lado vencedor e, por isso mesmo, pode ser muito manipuladora e tendenciosa. A História que conhecemos hoje não foi, quase que exclusivamente, contada através da perspectiva europeia? Portanto, não acreditem em tudo o que lêem!

Faraó Ramsés II

Rei Muwatalli II

O que se sabe ao certo sobre esta batalha é que no início as carruagens hititas conseguiram isolar as tropas de Ramsés II. Porém, com o desenrolar do conflito, o exército egípcio conseguiu retomar o controle e fazer com que os hititas recuassem.

Os dois impérios ficaram em conflito por muitos anos até que Hatusil III, irmão de Muwatalli, assinou um tratado de paz com o faraó egípcio.

Na Arte, esta batalha pode ser encontrada representada nas paredes do complexo monumental erguido por Ramsés II no Egito. Veja aqui alguns exemplos:

Ramsés II durante a batalha










Espero que vocês tenham gostado desta nossa segunda parada pela História Mundial através da Arte. Para quem tem interesse no assunto, eu recomendo o livro escrito por Febbraro e Schwetje, mencionado anteriormente. Infelizmente, não há uma versão do livro traduzida para o português, porém como o livro é amplamente ilustrado, acredito que a leitura em inglês não seja um empecilho muito grande. E é mais uma chance de praticar a língua inglesa, não é mesmo?

Um ótimo domingo a todos e ótimas leituras!

Fernanda

sexta-feira, 15 de maio de 2015

"O Prazer da Literatura" no Colégio Global

Bom dia, queridos leitores!

Há algumas semanas fui convidada pela Cleyde Treml, diretora do Colégio Global, em São Bento do Sul - SC, para conversar com os alunos do Ensino Médio sobre a literatura e o prazer de ler. Eu fiquei muito feliz com o convite, ainda mais porque fui aluna do colégio desde os 2 anos de idade até a conclusão do Ensino Médio em 2007. Estava curiosa e ansiosa para voltar ao colégio, andar pelos mesmos corredores e visitar as salas de aula.

Hoje, então, estive lá e conversei com as três turmas do Ensino Médio e fiquei muito feliz com o resultado. Mesmo que alguns alunos resistam em admitir, percebi que a maioria deles têm o hábito da leitura e que, felizmente, gostam de ler. Levei trechos do livro O Prazer de Ler, da Heloisa Seixas (sobre o qual já escrevi aqui no blog. Para reler o post, clique aqui), e fiquei muito feliz ao notar que certos alunos também se identificam com a sensação de prazer de se ter um tempo para si, em uma poltrona confortável, lendo um livro e sendo transportado para outro universo, outro momento, outra aventura!


Também discutimos as 14 definições de literatura clássica propostas por Ítalo Calvino em Por que ler os clássicos e chegamos à conclusão de que cada um constrói os "seus" clássicos, a partir de leituras que te atraiam e com as quais você se identifica. Os "seus" clássicos são livros que marcaram a sua trajetória como leitor e que, portanto, são inesquecíveis.

É o papel da escola proporcionar ao aluno o contato com os principais clássicos da literatura, mas é a partir deles que cada um deve selecionar aqueles que mais lhe atraem e que lhe são mais significativos, para, a partir deles, criar a sua própria jornada literária.

Espero que eu possa ter, ao menos, incitado o gosto pela leitura nos alunos que participaram das palestras de hoje. Eu realmente acredito que depois de hoje eles começarão a enxergar a literatura com outros olhos e vê-la como algo prazeroso, algo que completa o nosso dia-a-dia com uma boa dose de imaginação, suspense, mistério, romance e magia.

Confiram algumas fotos da manhã de hoje:

Foto com a turma do 1º ano do Ensino Médio


Foto com a turma do 2º ano do Ensino Médio

Foto com a turma do 3º ano do Ensino Médio

Para terminar, gostaria de agradecer a todos os alunos que participaram das aulas de hoje e lembrem-se "O mundo é um livro e aqueles que não viajam lêem apenas umas página".

Portanto, vamos explorar o mundo através das páginas!

Uma ótima sexta-feira a todos e, claro, ótimas leituras!

Fernanda