sábado, 9 de novembro de 2019

"Madame Bovary", Gustave Flaubert




Olá, queridos leitores.


Hoje venho compartilhar com vocês a minha mais recente leitura. Trata-se de um livro essencial da literatura mundial e que já estava na minha lista de leitura há anos: Madame Bovary, de Gustave Flaubert (1821-1880).
Madame Bovary é considerado por muitos críticos o percursor do movimento realista na literatura, que se distancia da tradição romântica do século XVIII e início do XIX, afastando-se de idealizações amorosas, do subjetivismo e do foco no indivíduo para uma abordagem da vida como ela é, sem idealizações ou artificialidade, retratando as diferentes realidades de classes sociais distintas.


Madame Bovary nos apresenta a vida de Charles e Emma Bovary em uma região rural da Normandia. O romance é dividido em três partes e inicia com foco em Charles, um jovem estudante que se torna médico, mas sem muitas ambições na vida ou gostos refinados. Ele encontra Emma em uma de suas visitas médicas e os dois logo se casam. Emma se torna, então, a Madame Bovary. Ela, no entanto, logo percebe que se casou muito cedo e que a vida depois do casamento, assim como o seu noivo, não era nada do que ela imaginava ou esperava. Ela havia sido educada em um convento e se distraído lendo romances, que a levaram a sonhar com bailes em castelos longínquos, amores proibidos, príncipes encantados e paixões arrebatadoras.

Emma e Charles Bovary


A primeira parte do romance tem um ritmo mais lento e entediante, assim como a vida da própria Emma. Sua vida muda quando Charles é convidado para um baile no castelo de La Vaubyessard. Lá ela encontra viscondes, damas da alta sociedade, lindos trajes, bebidas e comidas exóticas, escuta conversas indiscretas, e aí percebe que aquele mundo sobre o qual ela lera em romances realmente existia. Mas, infelizmente, era um mundo do qual ela não fazia parte. Há um trecho muito interessante no livro sobre o impacto desse momento na vida de Emma:


"A sua viagem a La Vaubyessard abrira um abismo e sua vida, como essas fendas imensas que uma tempestade, em uma só noite, às vezes cava nas montanhas. Mas ela resignou-se; encerrou devotamente na cama o seu belo vestido e até mesmo os seus sapatos de cetim, com solas amarelecidas pela cera deslizante do assoalho. O seu coração era como eles: ao roçar da riqueza, ele colocara-se sobre algo que não se apagaria" (p. 82)




E, de fato, não se apagou. A partir daí, a vida de Emma é uma série de vazios que ela tenta, em vão, preencher. Na parte 2, Charles e Emma se mudam para Yonville para buscar novos ares que acalmassem os nervos de Emma. Ela estava grávida de sua primeira filha e Charles foi bem-recebido na pequena vila como o novo médico da região, o que agregava status ao nome Bovary. Nessa pacata existência, Emma encontra Léon Dupuis, em quem ela reconhece uma alma parecida com a sua, que se encanta por livros e pelo teatro. Um novo sentimento floresce nela, seguido de ardentes desejos que ela, até então, consegue controlar. 


Ezra Miller como Léon Dupuis
Seu autocontrole se desfaz, contudo, com os avanços de outro homem, Rodolphe, proprietário de terras e charme, que enfim rompe a barreira moralista de Emma e a inicia em uma vida de adultério e excessos. Há outro trecho muito interessante sobre essa nova fase de Emma:


"Mas, ao ver-se no espelho, ficou surpreendida com a própria face. Jamais tivera olhos tão grandes, tão negros, nem tão profundos. Algo sutil a expandir-se em seu ser a transfigurara.
Ela repetia-se: - 'Eu tenho um amante! Um amante!' -, deleitando-se com esta ideia como se uma nova puberdade lhe tivesse retornado. Então finalmente ela ia possuir essas alegrias do amor, a febre da felicidade da qual ela já desesperara. Entrava em algo maravilhoso onde tudo seria paixão, êxtase, delírio" (p. 201)


A segunda parte do livro tem um ritmo mais frenético, assim como a vida e o coração de Emma, em contraste com a letargia da primeira parte e da falta de vivacidade de Charles. Porém, aos poucos, Emma cai em um abismo sem volta, pecando em excesso de luxúria e luxo, contraindo-se de dívidas e segredos que atormentavam a sua vida.


Esse desespero é levado ao máximo na terceira e última parte do livro, na qual ela vive desapontamento atrás de desapontamento e se vê cada vez mais em uma existência insignificante, rumando a um beco sem saída:


"Não importa! Ela não era feliz, nunca o havia sido. Então de onde vinha essa insuficiência da vida, esse apodrecimento instantâneo das coisas em que se apoiava?" (p. 330)


Seu amante não lhe dava mais prazer, tampouco seu lar ou até mesmo sua filha. Desesperada ao ver a fortuna de Charles ser confiscada por sua culpa, ela acaba se voltando à única saída que lhe parecia possível, chegando ao desfecho trágico conhecido da obra.


Jennifer Jones como Emma Bovary
Emma é uma personagem extremamente intrigante: o leitor a odeia, a acha engraçada, mesquinha, boba, sente pena, sente compaixão... apenas um grande mestre da literatura conseguiria causar tamanhos sentimentos diversos.


Flaubert dizia que não havia nada de genialidade ou inspiração no ofício da literatura, apenas trabalho, trabalho e mais trabalho. Ele se considerava um artesão da escrita. Seus manuscritos eram escritos, reescritos, revisados... o que demonstra o seu cuidado na escolha de palavras e estrutura do seu texto.


Madame Bovary foi publicado em capítulos na Revue de Paris a partir de 1856. Porém, sua publicação foi interrompida devido a um processo judicial que julgava a trama ser imprópria. De fato, Madame Bovary escandalizou leitores quando da sua publicação por retratar tão abertamente um tema tão tabu na época como o adultério. Porém, Flaubert e os editores da obra conseguiram que ela fosse publicada em formato de livro em 1857. O escândalo ao redor da publicação do livro certamente criou mais curiosidade no público em geral, vindo a se tornar um grande sucesso e um dos clássicos da literatura mundial. 

Gustave Flaubert

Espero que tenham gostado desse post. Uma ótima semana a todos e, é claro, ótimas leituras!

Fernanda

2 comentários:

  1. Hoje sabemos que a proibição e a marginalização é uma das estratégias de marketing mais apelativas haha
    Que tempos eram os antigos, não? Hoje o adultério é retratado até em desenho animado.
    Mas não duvido que essa leitura não tenha despertado certo desejo impetuoso nas mulheres da época, causando temor no patriarcado.

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